quinta-feira, 19 de julho de 2012

Confiar até que prove o contrário, por Claudio Domingos Fernandes

“Quando duas pessoas se encontram há, na verdade, seis pessoas presentes: cada pessoa como se vê a si mesma, cada pessoa como a outra a vê e cada pessoa como realmente é”. (William James)

Nossa realidade cotidiana nos coloca com o pé atrás com a política, pois as experiências que vivenciamos nos revelam, com frequência, a falta de vínculos entre ética e política. A desconfiança, porém, é mais profunda. De fato, desconfiamos não da política, mas da pessoa humana mesma. Nossa visão do humano é uma visão negativa. É o ser humano que é mesquinho, que é desonesto. Numa visão hobbesriana: Somos maus por natureza. E pragmaticamente dizendo, na posição de A ou de B, faríamos a mesma coisa: somos humanos. Mas se a compreensão da política, por ser humana, guarda semelhanças com a compreensão do humano, é preciso acrescentar um critério propriamente humano à análise da política e de seus agentes: O humano é sendo. 

Porque devemos confiar apenas em Maquiavel ou Hobbes como juízes absolutos da natureza humana e de sua mais importante ação social. Como podemos afirmar categoricamente que o ser humano é (isto nos inclui, ou não seriamos humanos) falso, ou desonesto, ou, radicalizando, mal e ao mesmo tempo desejar que ele seja honesto, seja bom e se comprometa com a verdade?

Do mesmo modo que todos os dias faço a experiência de situações que me fazem suspeitar das pessoas, também faço a experiência da generosidade, da solidariedade, da militância engajada de milhões de voluntários. Pessoas que por um sorriso num rosto desconhecido, pelo brilho num olhar abandonado, pelo direito de que o outro também tenha acesso ao mundo e ao que nele o homem produz, me ensinam constantemente que o ser humano não é totalmente mal.

É preciso desconfiar de quem insiste em desqualificar a política. Ela é ação humana, não isolada, mas coletiva que visa um fim. Para muitos seu fim é o poder, estes a corrompem. Mas há aqueles que veem na política a construção do Bem Comum, algo difícil de traduzir, porque para se chegar ao que é comum a todos é preciso que todos se manifestem. 

Desqualificar a política; reduzi-la a ação de alguns poucos (os desonestos) é impedir que todos se manifestem; é perpetuar a condição em que ela se encontra, isto é, dissociada de uma ética. O discurso maquiavélico serve a isto: a manter as coisas como estão. É preciso superar este discurso. É preciso dizer ao ser humano que ele não é mal e nem bom por natureza, mas ser sendo. É por suas escolhas que ele se vai afirmando e produzindo o mundo.

Estas escolhas não são isoladas e não recai sobre si apenas e nem estão destituídas de critérios. Como as possibilidades de escolhas se dão mediante um conhecimento sempre incerto de nós mesmos e da realidade que nunca dominamos plenamente, só a desconfiança nos possibilita reconsiderar constantemente nossas escolhas e avançar por sobre nossos erros.

Politicamente, desconfiar é saber que, sendo uma ação humana, a ação política – escolha pelo poder ou pelo bem comum – só pode ser julgada a seu termino. Quando podemos observar se seu fim se coaduna à sua intenção.

Se a minha crença no campo de trigo for que ali só nasce trigo, eu vou colher joio misturado ao trigo. Mas se eu desconfiar que entre o trigo possa haver também joio, antes de colher o trigo eu vou procurar reconhecer e separar o joio. Num sentido inverso, se eu acreditar que na política (e querem me fazer acreditar nisto) só há malandros, eu deixo de olhar para os poucos bons que ainda se arriscam a propor o bem comum e os desconsidero. Mas se eu olhar com desconfiança para estes que reduzem a política a um covil de raposas e que dizem que a política é isto mesmo e atentar um pouco mais para as pessoas, talvez eu encontre pessoas seriamente comprometidas com o bem comum, que realmente querem uma política associada à ética. Desconfiar, neste sentido é positivo, porque não é negação, nem rejeição. 

Não somos maus, não somos bons até o fim de uma ação. Eu ainda acredito que somos capazes de construir um mundo melhor e a realidade me mostra todos os dias pessoas que estão dando a vida por isto. Não participar da vida política é abandonar estas pessoas a própria sorte e entregar meus sonhos às raposas.

Por isso, se “todo mundo é suspeito”, canta o grupo Titãs: “É bom desconfiar/ De ser desconfiado/ Não vou desconfiar de você/ Até que prove o contrário”.

Que do meio deste joio, possamos descobrir o que é trigo.

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Claudio Domingos Fernandes
Formado em Filosofia (Licenciatura), casado, dois filhos, trabalha na Secretaria de Educação de São Paulo, leciona Filosofia no Ensino Médio. Coordena Oficinas Culturais na Associação Cultural Opereta, onde ensina Italiano. É membro do conselho do Instituto de Formação Augusto Boal. É membro fundador da Associação Cultural Rastilho (A.CURA). Lançou VACUOS MUNDI. E-mail:cdomimgosfernandes@uol.com.br

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