quarta-feira, 18 de julho de 2012

Para um discurso sobre a política, por Claudio Domingos Fernandes

Conta-nos Esopo em uma de suas fábulas que: “Um burro e uma raposa fizeram amizade e foram à caça juntos. No caminho encontraram um leão com ar ameaçador. A raposa intuiu o perigo e se apressou a fazer um acordo com o leão: ela lhe consignava o burro em troca de sua vida. O leão aceitou o acordo. Então a raposa conduziu o asno para uma armadilha. O leão, percebendo que o burro não poderia escapar, lançou-se contra a raposa. Terminado com a raposa, ele, tranquilamente, ocupou-se do pobre burro na armadilha”.

Está fábula ilustra, ao meu ver, muito bem a ação política, que é luta pelo poder e não desejo (como muitos creem) de melhorar a vida das pessoas. Lembremos que para Maquiável, a raposa e o leão são os animais símbolos do homem político. O burro, a meu ver, é a imagem do povo, segundo o senso comum.

A raposa caminha com o burro pela mata; o faz crer caçador. Numa luta pelo poder em que não se recorre à violência, mas à persuasão, fazer o outro crer ser aquilo que ele não é; é já ter poder sobre ele. No jogo político, numa democracia como a nossa, é a persuasão que conta. E numa democracia, a participação popular é necessária, e é preciso convencer o povo que ele é importante, que é ele o agente político. É preciso convencer o povo que a saúde, a educação, a moradia, a segurança dependem dele, só ele pode fazer a diferença, que é ele quem decide. E decide com o voto. 

A raposa sabe: não se pode dar ao burro tempo de pensar. E pelo caminho conta-lhe proezas e mais proezas, faz-lhe promessas sobre promessas, faz-se igual a ele, coloca-o no seu patamar: por isso podem caçar juntos. A raposa convence o burro que o poder econômico do pobre, pelo voto, tem o mesmo peso do poder econômico do rico; o capital intelectual do pobre tem o mesmo peso do capital intelectual do rico. É preciso fazer o burro crer que ele e a raposa têm o mesmo estatuto. Nada difere o meu voto do teu, queremos a mesma coisa: uma boa caça. Mas a raposa já tem a sua caça garantida. O burro, porém, não pode se aperceber disto. 

O burro (aqui cabe a imagem do palhaço que se elegeu e levou com ele algumas raposas) coloca a raposa no lugar em que ela deseja estar, porque não quer ser burro (“o povo não sabe votar”), não confia em seus pares: mulher não vota em mulher, pobre não vota em pobre, a classe trabalhadora não vota na classe trabalhadora. O rico, no entanto, vota no rico, a elite vota na elite e os instrumentos de persuasão estão em suas mãos: Os grandes meios de comunicação e sua programação pífia, a grande imprensa e suas linhas editoriais vendidas, a escola que no processo educativo nos ensina a sermos governado e não a governar.

Conto outra fábula, esta mais moderna: “Numa convenção de raposas discutia-se novas estratégias para que elas se tornassem senhoras da mata. Uma raposa tomou a palavra e disse: “irmãs, dividir para dominar”. As outras raposas a olharam indagantes: “como é isto?” Ela explicou: “irmãs somos uma só coisa: raposas. E entre nós permanecemos assim. Mas se queremos dominar a mata devemos espalhar que somos como macacos, como burros, como coelhos e fazê-los se convencer disto. Se nos fazemos como eles os mantemos divididos e os fazemos crer que escolhem a si próprios. Dividir para dominar, é isto, companheiras”.

O povo não sabe votar! Este não saber, porém, é propositado, é estratégico. É ao mesmo tempo uma meia verdade! O povo é uma ideia de igualdade e unidade construída. Na urna não está o povo, na urna está segmentos, interesses, grupos específicos. Na urna a unidade se perde e grupos hegemônicos emergem. À raposa se compraz quando desqualificamos o voto do “povo”, isto é tudo o que ela quer. Com isto não precisamos nominar de fato quais grupos e quais interesses estão no poder. Eximir estes grupos e este interesses é destituir da raposa e suas estratégias a responsabilidade por de estar no poder, mas o povo, este agente importante, mas desqualificado, do qual me excluo facilmente, não vota. O burro não caça é caçado: mas é melhor que ele não pense nisso. Ele entra alegremente na floresta com a raposa, pois a eleição é uma festa: a Festa da democracia (“Ai se eu te pego, nossa, nossa...”). 

Para corrigirmos esta distorção será necessário que outro elemento simbólico entre em cena: A coruja. Mas deixemos para outra hora.

Não tratei do leão porque seu símbolo é a força. E a força é própria de sistemas ditatoriais.
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Claudio Domingos Fernandes 
Formado em Filosofia (Licenciatura), casado, dois filhos, trabalha na Secretaria de Educação de São Paulo, leciona Filosofia no Ensino Médio. Coordena Oficinas Culturais na Associação Cultural Opereta, onde ensina Italiano. É membro do conselho do Instituto de Formação Augusto Boal. É membro fundador da Associação Cultural Rastilho (A.CURA). Lançou VACUOS MUNDI. E-mail:cdomimgosfernandes@uol.com.br

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