sexta-feira, 9 de novembro de 2012

A Bruxa Meregilda, por Ana Lúcia Merege

Não é segredo pra ninguém que existem casas assombradas. Algumas podem dar dor de cabeça aos moradores – quando tem fantasmas de pessoas malvadas, por exemplo, ou aqueles monstros peludos que se encontram no armário -, mas outros seres podem tornar a experiência bem divertida.

O apartamento em que eu morava quando criança era assombrado por um duende. Ele era bonzinho, não brigava com ninguém nem fazia barulho, de forma que os adultos da família até esqueciam que estava em casa. Aí, quando ninguém esperava, ele fazia das suas, bagunçando os livros do meu pai ou deslizando um dedinho curioso pelo quadro recém - pintado da minha irmã.

Eu também era alvo das travessuras do tal duende. Uma coisa que ele fazia era encolher minhas roupas, um tantinho por vez, de forma que depois de uns meses elas não cabiam mais. Também escrevia nos meus cadernos – eu tinha de comprar um caderno novo todo dia. E cada história era mais doida que a outra. A maioria eu joguei fora, mas algumas guardei e ainda leio de vez em quando. Só para lembrar de como era viver com aquele duende arteiro.

À medida que eu crescia, ele foi ficando mais discreto, mas ainda aparecia de vez em quando. Nos fins de semana, minha mãe ficava acordada até tarde, e jura que escutava o duende entrar em casa pé ante pé. Isso só acabou depois que me casei e fui morar em Portugal. O duende sumiu na mesma época e, pelo que sei, meus pais e minha irmã sentiram muita falta dele.

Não sei se os lugares onde morei depois eram assombrados. De vez em quando o banheiro ficava alagado ou o bife queimava, mas essas provas não são suficientes. Além do mais, minhas roupas passaram a servir durante anos e ninguém escreveu uma linha nos meus cadernos. Minha vida era bem mais tranquila do que antes. Mas não tão divertida.

Então, algum tempo depois de eu ter me mudado para o meu novo apartamento, comecei a perceber uma presença entranha. Não era um duende nem um monstro. Só descobri o que era algum tempo mais tarde, quando minha filha Luciana tinha uns três anos. Foi aí que a bruxa começou a nos visitar.

Eu disse bruxa, sim, mas fiquem calmos. A maioria das bruxas é do bem, pelo menos quando a gente é legal com elas. O que lhes dá má fama é o fato de que não são pessoas comuns. Podem se vestir, falar e agir como todo mundo, mas, olhando bem, dá para ver que lá no fundo elas são diferentes. Isso assusta mais do que vocês podem imaginar.

Seja como for, a bruxa apareceu numa noite de chuva, quando a Luciana não estava querendo ir se deitar. Eu já tinha insistido, oferecido leite quente e cantado musiquinhas para ela, e nada. Fui ficando impaciente, cheguei a contar um – dois – três, e mãe quando conta um – dois – três pode apostar que a coisa é seria. Mesmo assim ela ainda não queria dormir, e eu ia começar a brigar quando, de repente, quem foi que surgiu do nada e se intrometeu?

Pois foi ela mesma, a bruxa. E era uma bruxa até que simpática, só que muito séria. Cruzando os braços, ela olhou para a Luciana e disse que se chamava Meregilda; que dormia durante o dia e acordava às nove da noite, e que, a essa hora, as crianças tinham de ir para a cama. Luciana fez uma cara meio de medo, meio de choro, e foi então que a Bruxa Meregilda propôs fazer um trato com ela.

Vocês sabem que as bruxas fazem tratos, não é? Sua voz em troca de um par de pernas, seu bebê por um repolho e coisas assim. Mas a proposta da Meregilda foi mais simples. Foi o seguinte: a Luciana ia logo pra cama e a bruxa contava uma história para ela. Uma história emocionante, mas não assustadora. E que fazia ter ótimos sonhos.

Ouvindo isso, a Luciana se animou, mas ainda estava em dúvida e olhou pra mim. Como a essa altura eu já tinha percebido que a bruxa era legal, falei que ela devia experimentar, e lá se foram as duas de mãos dadas para o quarto.

E o que aconteceu? Aconteceu que a Meregilda contou uma história ótima. Ou talvez nem fosse tão boa, e, sim, apenas uma história, maluca feito aquelas do duende. Só que a bruxa contava de um jeito engraçado, e ainda dava um jeito de aproveitar as coisas que a Luciana dizia no meio. E quando, depois de muita contação e muita risada, minha filha pegou no sono, o sorriso dela me deu a certeza de que aquela era a primeira de uma longa série de histórias.

A partir daí, a Bruxa Meregilda voltou várias vezes. Nem sempre tinha histórias novas, então repetia uma que tivesse feito sucesso ou pegava emprestado num livro. Com o tempo, a Luciana também aprendeu a ler, e as duas liam em voz alta uma para a outra. Na verdade, fizeram isso ontem mesmo, e algo me diz que vão fazer hoje de novo. Porque se vocês pensaram que a bruxa Meregilda foi embora depois que Luciana cresceu, podem tirar o cavalinho da chuva! Ela continua por aqui. E pelo jeito não vai embora tão cedo.

E sabem o que mais? Eu acho que nos últimos tempos ela anda se encontrando com o duende, aquele de quando eu era criança, e trazendo ele escondido aqui em casa. Quem mais teria feito uma história tão doida como esta aparecer no meu computador?



Ana Lúcia Merege
Nasceu na cidade do Rio de Janeiro e hoje mora em Niterói. É autora dos livros “O castelo das águias” (Editora Draco) e “O caçador” (Franco Editora), além do ensaio “Os contos de fadas” (Editora Claridade). É contadora de histórias e pesquisadora na área da literatura.

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