sexta-feira, 6 de abril de 2018

Administração Themer, por Claudio Domingos Fernandes


Em um maio de fins dos anos 90, um adolescente branco foi preso por tráfico. Ele voltava da escola. Apareceu morto num campo de futebol. Os policiais que o prenderam mirabolaram uma história de resgate, e se atribuiu a sua morte a execução de facções criminosas. Poucas pessoas se manifestaram contra o absurdo da história narrada pelos policiais. 

Josuelmo Santos, líder comunitário, presidente da Associação de Resistência da População Afrodescendente, foi um dos poucos a exigir esclarecimento a respeito das condições inexplicáveis da morte de um jovem sob responsabilidade da policia. Tanto fez que para desacreditarem-no, forjaram uma denuncia de desvio de recursos da associação. As pessoas mais próximas à Associação, descontente com seu interesse em defender um jovem branco, aderiram aos que o acusavam e passaram a exigir-lhe o cargo. 

Então, numa certa tarde deste maio, um certo Themer, propondo assumir sua posição na associação, assumiu o seguinte discurso: 
“de cada quatro pessoas mortas pela polícia, três são negras. Nossa causa é o povo preto da periferia. São nossos filhos que morrem todos os dias na guerra do tráfico, no fogo cruzado entre milícias, polícias e políticos pelo controle da comunidade. Nossa associação é pros manos é pras manas, pro povo preto. Deixa que os brancos clamem seus mortos, seus direitos. Devemos cuidar dos nossos.”
Josuelmo olhou para a assembleia com serenidade: 
“Camaradas, eu tenho uma causa, mas minha causa não me impede de enxergar que um ser humano foi morto de maneira covarde, não é um irmão preto, uma irmã preta, mas é um que morreu como nossos filhos morrem todos os dias. A proporção esta posta: são três negros a cada branco morto, mas a conta é sempre quatro seres humanos, quatro vidas, que se tornam quarenta, quatrocentas, quatro mil vidas ceifadas abrupta e brutalmente. Exigir a verdade para o Henrique, assassinado de maneira escusa, não me desvia de nossa luta. Ao contrário, ao garantir-lhe o direito à verdade, estou defendendo o direito de todos nós. Na luta por garantia de direitos não existe a minha causa, a sua causa, a causa do outro. A particularidade de nossa causa não nos deve tornar particularistas. É preciso a visão alargada, para além de nossa bandeira, uma visão que abranja a todos os que se tornam vítimas do descaso e da malicia dos poderes constituídos. Em nossa luta é preciso abarcar tantas outras causas: do direito à moradia à educação e à saúde, do direito à manifestação religiosa à opção sexual à igualdade dos gêneros nas relações de trabalho, do respeito à diversidade ao direito de a mulher sentir-se segura, no lar, no bar, no ônibus, no seu posto de trabalho, etc... Sem sermos capazes de sairmos de nosso gueto, não avançamos em nossas agendas. Se cada movimento se fechar em si, tornamos viável o totalitarismo, favorecemos o que deveríamos combater.” 
Josuelmo deixou a assembleia da Associação que ajudara a criar, arranjos políticos levaram Themer à presidência. 
De cada quatro pessoas mortas pela polícia, uma é branca. “Mas se a polícia matou é porque é bandido”, vamos repetindo, na administração Themer...
Claudio Domingos Fernandes

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Claudio Domingos Fernandes
Formado em Filosofia (Licenciatura), casado, dois filhos, trabalha na Secretaria de Educação de São Paulo, leciona Filosofia no Ensino Médio. Coordena Oficinas Culturais na Associação Cultural Opereta, onde ensina Italiano. É membro do conselho do Instituto de Formação Augusto Boal. É membro fundador da Associação Cultural Rastilho (A.CURA). Lançou "Vácuos Mundi" e "O Todo em Fragmentos". Facebook: Claudio Domingos Fernandes

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