sexta-feira, 7 de novembro de 2014

Prof. Pedro Augusto, por Claudio Domingos Fernandes

Já faz muito tempo que desisti de lecionar, mas continuo todos os dias, suportando o peso de entrar em sala de aula e ter que aturar a ignorante arrogância de corpos embebidos de indiferença a si próprios.

Eu sei que são vítimas de uma sociedade esgotada e esquizofrênica que se sustenta de uma cultura perversa: A cultura da embecilização, que privilegia o vulgar, o medíocre, o “fast”. Se não for o “fast” não interessa.

A medida é cento e quarenta e quatro toques, um amigo meu acha isso o máximo, coisa de gênio. Outro dia, ditos intelectuais foram desafiados a reescreverem o Ulisses de Joyce em cento e quarenta e quatro toques.

Eu penso que a humanidade poderia passar sem Joyce e seu Ulisses. Mas, goste eu ou não de Joyce, ele está em qualidade literária, anos luz à frente dos imbecis que assumiram a referida tarefa.

Um gênio de nossa literatura, na onda, afirmou:

- É possível reescrever a Ilíada de Homero em centro e quarenta e quatro toques.

- Cento e quarenta e quatro é “fast”.

- Ser “fast” é fútil: eis o que queremos ser.

É isso que ouvi dias desses de um amigo:

- Temos que considerar todas as dificuldades experienciais de nossos alunos, considerar seus conflitos de relacionamento pessoal, social e emocional; eles não precisam aprender metade do que lhes exigimos.

Eu entendo que são adolescentes, que vivem num mundo que não produziram, um mundo imbecilizado; que são vítimas de um sistema falido, que há coisas que poderíamos abrir mão de ensinar-lhes.

Mas gravitam da extrema apatia à balbúrdia generalizada; quando não estão numa espécie de torpor, parecem possuídos de um demônio adrenalítico incontível. Não sei fazer-me de palhaço, não canto Funk, não danço, nem faço malabarismo, dizem que é o que lhes atraem.

Lecionei com uma amiga que se vestia em figurinos de época para lecionar história, um outro professor teve a boa ideia de ensinar matemática aplicada à música. Funciona para manter a disciplina, não garante aprendizagem. Minha impotência é saber-me descrente e esgotado. Tornar-me refém desse jogo sem sentido que se tornou ensinar.

Sísifo teve pena mais branda. A quem acredita que lecionar é uma virtude, desculpe a sinceridade: lecionar é um castigo; um louco é mais saudável que um sujeito que acredita estar ensinando algo a quem não encontra razão em aprender.

Tem dias que nem a vaga possibilidade de flertar a bonitinha da sala tal, ou a professora X, anima a levantar da cama. Nem um “tiro” resolve. O corpo se nega a obedecer.

Não faço conjecturações morais, não me martirizo, como se estivesse roubando o futuro de alguém. O futuro daqueles não está em minhas mãos, quanto a isto sou-lhes indiferente, quero que f****-se. Querem futuro, corram atrás. O mal-estar que me consome não é moral, é financeiro, preciso de salário integral. Faltar é prejudicar o orçamento. Um segundo “tiro”:

- “Bom dia Classe!”


Claudio Domingos Fernandes


FERNANDES, C. D. O Todo em Fragmentos. Editora Ilustra. Poá/SP, 2014. p. 71-73.


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Formado em Filosofia (Licenciatura), casado, dois filhos, trabalha na Secretaria de Educação de São Paulo, leciona Filosofia no Ensino Médio. Coordena Oficinas Culturais na Associação Cultural Opereta, onde ensina Italiano. É membro do conselho do Instituto de Formação Augusto Boal. É membro fundador da Associação Cultural Rastilho (A.CURA). Lançou "Vácuos Mundi" e "O Todo em Fragmentos". E-mail: cdomimgosfernandes@uol.com.br






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